sexta-feira, 25 de março de 2011

FÁBULAS ITALIANAS - Italo Calvino

Por Ema Dias dos Santos


“C´era una volta...”


Em Fábulas italianas, Italo Calvino reúne 82 histórias populares de toda a Itália numa obra primorosa para ser lida por todas as idades. É bom que se saiba que não se trata da fábula em sua versão, como diz o próprio autor, “floreada e edulcorada” (p.10) que geralmente associamos à literatura infantil. Nas histórias consagradas que comumente conhecemos quando pequenos e que se tornaram referência desse tipo de texto para nós, houve uma adaptação a uma visão idílica de infância e a fins moralizantes, sendo retirados delas elementos como o horrendo, o vulgar, o grotesco. Nas compilações “originais” mais antigas – Perrault, Irmãos Grimm, As mil e uma noites -, esses aspectos estavam integrados à narrativa, e é nessa linha que as Fábulas iItalianas são relatadas, embora moduladas pela sensibilidade do autor. 


O que de forma alguma desaconselha sua leitura também para crianças. A fábula assim apresentada cumpre um papel estruturante da personalidade e de constituição de uma cosmovisão bem melhor, por exemplo, que a maioria dos jogos eletrônicos aos quais as novas gerações estão hoje expostas. Além do que, se recuperada a tradição da oralidade através da relação que se estabelece no ato de contar/ouvir – isso, por si só, representa uma das mais ricas experiências de convivência que podemos nos proporcionar e a nossas crianças. Diz, sobre isso, o próprio autor, no prefácio da obra:


“A ‘barbárie’ natural da fábula rende-se a uma lei de harmonia. Não existe aqui aquele contínuo e imenso espirrar de sangue dos cruéis Irmãos Grimm; é raro que a fábula italiana atinja a truculência, e, mesmo se é contínuo o senso da crueldade, da injustiça inclusive desumana, como elemento com o qual sempre temos de nos haver, se os bosques também aqui fazem eco dos prantos de tantas donzelas ou esposas abandonadas com as mãos decepadas, a ferocidade sanguinária jamais é gratuita e a narração não se detém para maltratar a vítima, nem para demonstrar piedade, mas corre rumo à solução reparadora. (...)


Pelo contrário, na fábula italiana perpassa um contínuo e sofrido estremecimento de amor (...)

O impulso para o maravilhoso permanece predominante mesmo se confrontado com a intenção moralista. A moral da fábula está sempre implícita, na vitória das virtudes simples das personagens boas e no castigo das perversidades igualmente simples e absolutas dos malvados; quase nunca se insiste nisso de forma sentenciosa ou pedagógica. E talvez a função moral que a narração de fábulas tenha no entendimento popular deva ser buscada não na direção dos conteúdos, mas na própria instituição da fábula, no ato de contá-la e ouvi-la.” (p.33-5)

“Quem sabe o quanto é raro na poesia popular (e não popular) construir um sonho sem refugiar-se na evasão, apreciará estas pontas extremas de uma autoconsciência que não rechaça a invenção de um destino, esta força de realidade que explode inteiramente em fantasia. Melhor lição, poética e moral, as fábulas não poderiam nos dar.” (p.37)


Trata-se de um livro de leitura fluente e deliciosa, para ser degustado por leitores experientes ou iniciantes, capaz de agradar aos mais diversos paladares. E, para finalizar, nada melhor que o depoimento do próprio autor, que num trecho do prefácio relata:


“Agora, a viagem entre as fábulas terminou, o livro está pronto, escrevo este prefácio e já estou fora: conseguirei voltar a pôr o pé no chão? Durante dois anos vivi entre bosques e palácios encantados (...). E nesses dois anos, pouco a pouco, o mundo ao meu redor ia se adaptando àquele clima, àquela lógica (..). 

Agora que o livro terminou, posso dizer que não foi uma alucinação, uma espécie de doença profissional. Tratou-se da confirmação de algo que já sabia desde o início (...), aquela única convicção que me arrastava para a viagem entre as fábulas. E penso que seja isso: as fábulas são verdadeiras.


São, tomadas em conjunto, em sua sempre repetida e variada casuística de vivências humanas, uma explicação geral da vida, nascida em tempos remotos e alimentada pela lenta ruminação das consciências camponesas até nossos dias; são o catálogo do destino que pode caber a um homem e a uma mulher (...); e sobretudo a substância unitária do todo: homens animais plantas coisas, a infinita possibilidade de metamorfose do que existe.” (p.14-5)

(Fiabe Italiane, 1957.)
Fábulas italianas. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. (454 páginas)




Leia também:
MONDADORI, Oscar. Fiabe italiane. Monografie critiche. 2001Jul 12 [acesso em 2009 Out 06]. Disponível em:http://www.italialibri.net/opere/fiabeitaliane.html