sexta-feira, 25 de março de 2011

DA PREGUIÇA COMO MÉTODO DE TRABALHO - Mario Quintana

Por Ema Dias dos Santos 


Certa vez, abalancei-me a um trabalho intitulado “Preguiça”. Constava do título e de duas belas colunas em branco, com a minha assinatura no fim. Infelizmente não foi aceito pelo supercilioso coordenador da página literária.
Já viram desconfiança igual?
Censurar uma página em branco é o cúmulo da censura. 


(Quintana, 2000, p.6-7)





Quintana, “o poeta das coisas simples”. Simplicidade, entretanto, plena de profundidade. O olhar singular que lança ao cotidiano, ao prosaico, à rua, ao ser humano, faz com que seus escritos lembrem um caleidoscópio de palavras, colorido pelo humor, pela ironia e, sobretudo, pela ternura:



Terapias
Pílulas das mais variadas cores, cada uma para as diversas horas do dia. Isso não quer dizer que curasse os velhinhos, não. Mas sempre dava um colorido à mesmice de suas vidas.
 (p.24)


O tempo
O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um ano mais velho que a gente.
(p.61)

Mas o assunto desta crônica era sobre o esquecimento. Na verdade nunca me esqueço de nenhum nome nem de nenhuma cara. Só que não sei distribuir os nomes pelas caras. (p.25)

O modo inusitado com que lida com expressões comuns e frases feitas pode nos conduzir, tanto a um cúmplice sorriso maroto, como a profundas reflexões existenciais e filosóficas:

A morte é a única coisa incerta que existe. (p.91)

Ao pé da letra
Enforcar-se é levar muito a sério o nó na garganta. (p.48)

Sala de espera no consultório. Sala de espera? Não: sala de recordações. É que as revistas são tão antigas que a gente – ó milagre! – fica sempre alguns anos mais jovem. (p. 130)

A humildade, tão próxima da sabedoria, com que trafega pelos mais variados assuntos pode ser uma das explicações para a notável comunicação que seus textos têm com todo o tipo de público. Sobre isso diz Armindo Trevisan, no artigo Vôo sereno no azul do céu mais alto“A poesia de Mário Quintana impressiona, em primeiro lugar, por sua humildade – palavra que deriva remotamente de húmus. Humilde é quem tem os pés sobre a terra. Ora, o poeta, que a legenda tornou aéreo, nunca foi desligado da realidade.”
Sua linguagem evidencia um tom lúdico, sem medo do emocional, com muitas metáforas cromáticas, exclamações e reticências. O poeta-menino brinca com a linguagem, mescla coloquial e erudito, com lirismo e sensibilidade. O resultado é um texto leve, cuja leitura flui prazerosamente. O que não significa superficialidade ou alienação. Pois, como diz Trevisan, “que ninguém se deixe levar pela leveza da poesia de Quintana! Ela é leve, sim, mas como o ar que vivifica (ou envenena). Diríamos: existe um peso metafísico no aparente alumínio verbal de Quintana!”. O aspecto crítico está muito presente, especialmente por meio da irreverência e do humor, “o humor-denúncia, que investe contra o quadradismo das convenções, sobretudo o quadradismo da vida, aquilo que, no entender do mesmo Bérgson, se torna risível por se opor à vida.” (Trevisan, 1994).

Infinitos
O homem, esse exagerado, acha o Cosmos infinitamente grande e o micróbio infinitamente pequeno. E ele? Ora, ele acha-se do tamanho natural. Mas, aos olhos de Deus, cada ser é um universo. E, só para vos dar uma trinca de exemplos, a estrela Sirius, o bacilo de Kock e o prefeito de Três Vassouras são infinitamente do mesmo tamanho. (p.67)

É isso mesmo
Quem nunca se contradiz deve estar mentindo. (p.65)

Imaturidade
Ah! esses buzinadores... Permitir que eles guiem um carro é o mesmo que dar um apito para uma criança. (p.39)

Esta vida
Vale a pena estar vivo – nem que seja para dizer que não vale a pena. (p.49)

Não há nada que empeste mais que um desinfetante. (p.83)

A obra, que teve sua primeira edição em 1987 e foi reeditada em 2007, reúne textos de diversos gêneros – crônicas, contos, poemas e entrevistas - publicados na coluna que Quintana mantinha no “Caderno H” do jornal Correio do Povo.

Conteúdo da obra disponível em:

Sobre o autor, leia também o artigo:
TREVISAN, Armindo. Vôo sereno num azul do céu mais alto. In: Mario. Porto Alegre: CEEE, 1994.