Por Ema Dias dos Santos
Certa vez, abalancei-me a um trabalho intitulado “Preguiça”. Constava do título e de duas belas colunas em branco, com a minha assinatura no fim. Infelizmente não foi aceito pelo supercilioso coordenador da página literária.
Já viram desconfiança igual?
Censurar uma página em branco é o cúmulo da censura.
Já viram desconfiança igual?
Censurar uma página em branco é o cúmulo da censura.
(Quintana, 2000, p.6-7)
Quintana, “o poeta das coisas simples”. Simplicidade, entretanto, plena de profundidade. O olhar singular que lança ao cotidiano, ao prosaico, à rua, ao ser humano, faz com que seus escritos lembrem um caleidoscópio de palavras, colorido pelo humor, pela ironia e, sobretudo, pela ternura:
Terapias
Pílulas das mais variadas cores, cada uma para as diversas horas do dia. Isso não quer dizer que curasse os velhinhos, não. Mas sempre dava um colorido à mesmice de suas vidas. (p.24)
O tempo
O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um ano mais velho que a gente.(p.61)
Mas o assunto desta crônica era sobre o esquecimento. Na verdade nunca me esqueço de nenhum nome nem de nenhuma cara. Só que não sei distribuir os nomes pelas caras. (p.25)
O modo inusitado com que lida com expressões comuns e frases feitas pode nos conduzir, tanto a um cúmplice sorriso maroto, como a profundas reflexões existenciais e filosóficas:
A morte é a única coisa incerta que existe. (p.91)
Ao pé da letra
Enforcar-se é levar muito a sério o nó na garganta. (p.48)
Sala de espera no consultório. Sala de espera? Não: sala de recordações. É que as revistas são tão antigas que a gente – ó milagre! – fica sempre alguns anos mais jovem. (p. 130)
Pílulas das mais variadas cores, cada uma para as diversas horas do dia. Isso não quer dizer que curasse os velhinhos, não. Mas sempre dava um colorido à mesmice de suas vidas. (p.24)
O tempo
O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um ano mais velho que a gente.(p.61)
Mas o assunto desta crônica era sobre o esquecimento. Na verdade nunca me esqueço de nenhum nome nem de nenhuma cara. Só que não sei distribuir os nomes pelas caras. (p.25)
O modo inusitado com que lida com expressões comuns e frases feitas pode nos conduzir, tanto a um cúmplice sorriso maroto, como a profundas reflexões existenciais e filosóficas:
A morte é a única coisa incerta que existe. (p.91)
Ao pé da letra
Enforcar-se é levar muito a sério o nó na garganta. (p.48)
Sala de espera no consultório. Sala de espera? Não: sala de recordações. É que as revistas são tão antigas que a gente – ó milagre! – fica sempre alguns anos mais jovem. (p. 130)
A humildade, tão próxima da sabedoria, com que trafega pelos mais variados assuntos pode ser uma das explicações para a notável comunicação que seus textos têm com todo o tipo de público. Sobre isso diz Armindo Trevisan, no artigo Vôo sereno no azul do céu mais alto: “A poesia de Mário Quintana impressiona, em primeiro lugar, por sua humildade – palavra que deriva remotamente de húmus. Humilde é quem tem os pés sobre a terra. Ora, o poeta, que a legenda tornou aéreo, nunca foi desligado da realidade.”
Sua linguagem evidencia um tom lúdico, sem medo do emocional, com muitas metáforas cromáticas, exclamações e reticências. O poeta-menino brinca com a linguagem, mescla coloquial e erudito, com lirismo e sensibilidade. O resultado é um texto leve, cuja leitura flui prazerosamente. O que não significa superficialidade ou alienação. Pois, como diz Trevisan, “que ninguém se deixe levar pela leveza da poesia de Quintana! Ela é leve, sim, mas como o ar que vivifica (ou envenena). Diríamos: existe um peso metafísico no aparente alumínio verbal de Quintana!”. O aspecto crítico está muito presente, especialmente por meio da irreverência e do humor, “o humor-denúncia, que investe contra o quadradismo das convenções, sobretudo o quadradismo da vida, aquilo que, no entender do mesmo Bérgson, se torna risível por se opor à vida.” (Trevisan, 1994).
Infinitos
O homem, esse exagerado, acha o Cosmos infinitamente grande e o micróbio infinitamente pequeno. E ele? Ora, ele acha-se do tamanho natural. Mas, aos olhos de Deus, cada ser é um universo. E, só para vos dar uma trinca de exemplos, a estrela Sirius, o bacilo de Kock e o prefeito de Três Vassouras são infinitamente do mesmo tamanho. (p.67)
É isso mesmo
Quem nunca se contradiz deve estar mentindo. (p.65)
Imaturidade
Ah! esses buzinadores... Permitir que eles guiem um carro é o mesmo que dar um apito para uma criança. (p.39)
Esta vida
Vale a pena estar vivo – nem que seja para dizer que não vale a pena. (p.49)
Não há nada que empeste mais que um desinfetante. (p.83)
A obra, que teve sua primeira edição em 1987 e foi reeditada em 2007, reúne textos de diversos gêneros – crônicas, contos, poemas e entrevistas - publicados na coluna que Quintana mantinha no “Caderno H” do jornal Correio do Povo.
Conteúdo da obra disponível em:
Sobre o autor, leia também o artigo:
TREVISAN, Armindo. Vôo sereno num azul do céu mais alto. In: Mario. Porto Alegre: CEEE, 1994.