sexta-feira, 25 de março de 2011

O FIO DA NAVALHA - William Somerset Maugham

Por Ema Dias dos Santos


William Somerset Maugham é tido como um grande contador de histórias. Em seus livros não há grandes exercícios experimentais e malabarismos com a linguagem ou com a estrutura. São narrativas relativamente convencionais, tradicionais, com uma unidade, em linguagem objetiva e simples. Isso lhe rendeu um certo menosprezo da crítica. Ao que consta, ele mesmo chegou a afirmar que podia ser considerado “um escritor dos melhores entre os escritores da segunda fila”
Entretanto, o que há de melhor, nesta obra, transcende o aspecto formal. O escritor coloca-se como um dos personagens, e, embora a voz que narra a história seja a sua, ele consegue fazer com que isso não inviabilize uma polifonia que talvez seja um dos pontos altos da narrativa. A relação do autor-personagem-narrador com os demais personagens, a empatia com que compreende o que é essencial, vital para cada um, conseguindo superar os julgamentos externos e até mesmo internos, a forma como lida com as diferenças, permite que o leitor veja a integridade e/ou coerência com que cada personagem se comporta para equilibrar-se sobre o fio da navalha que é a vida, cada qual dentro de valores próprios, sem renunciar a seus princípios.
O grande personagem do livro é Larry Darnell, um indivíduo em busca de si mesmo, à procura de respostas para questões fundamentais, que, corajosamente, alheia-se das cobranças externas, renunciando ao conforto material, colocando-se ao largo dos signos sociais de sucesso para buscar suas próprias significações. Conforme Vicente Franz Cecim, em artigo sobre a obra: “Larry Darnell, aquele que preferia não-viver a vida por fora, que estava indisponível para as seduções & armadilhas externas, pois preferia viver a vida vivendo-se: isto é, por dentro. O que é uma arte muito sutil.” Os caminhos que trilha são vários, empíricos e teóricos, passando pela filosofia, pela teologia e pela literatura. 
Essa associação – recorrente na literatura universal (veja-se Dom Quixote, Emma Bovary e Ana Karênina, para citar apenas alguns exemplos) - entre o estudo e a leitura com personagens que fogem à ordem estabelecida por meio de seus questionamentos e comportamentos é colocada de forma crítica num diálogo em particular, entre o personagem-escritor e Larry (p.35): 

- Bom, você sabe que, quando uma pessoa não consegue fazer nada, vira escritor – disse eu com uma risadinha.

- Não tenho talento. 

A ironia com que o autor explicita uma visão limitada do trabalho intelectual (presente em outros ditos, tais como neste sobre a profissão de professor: “Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina.”), é prontamente respondida pela honestidade de Larry, que coloca de modo objetivo e incisivo a necessidade de ter talento, ou seja, o trabalho intelectual exige a mobilização de aptidões especiais que poucos realmente têm (ou desenvolvem, pois até que ponto talento é inato ou se constrói, já rende outra discussão...). 
“O fio da navalha”, publicada em 1944, é uma das obras mais conhecidas do escritor, que morreu aos 91 anos, depois de ter morado em diversos países como a Inglaterra, a Alemanha, a Espanha, a Rússia, os Estados Unidos e a França. 



Sobre a obra, veja também os artigos de Vicente Franz Cecim "Somerset Maugham: no fio da navalha" (www.revista.agulha.nom.br/ag21maugham.htm) e de Valdemir Pires (www.letraselivros.com.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=296). 


(The razor's edge, 1944.)

O fio da navalha. Tradução de Ligia Junqueira Smith. Porto Alegre: Globo, 1979 (351 páginas)